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FG+SG fotografia de arquitectura | architectural photography |
Fernando Guerra foi pioneiro na forma de fotografar e comunicar a arquitectura. Há 23 anos abriu o estúdio FG+SG em colaboração com seu irmão e juntos são responsáveis por grande parte da difusão da arquitectura contemporânea portuguesa, nos últimos vinte e três anos.
Fernando Guerra é fotógrafo de arquitectura. A sua formação, porém, é de arquitecto. O seu olhar divide-se entre dois modos distintos de construir o mundo. Por esta circunstância, ele encontra-se numa posição privilegiada para protagonizar a metamorfose do campo fotográfico que fará com que esta prática de criação de imagens se venha a identificar, em parte, com o próprio campo arquitectónico.
Para compreender o espaço, os arquitectos, eventualmente com uma intencionalidade mais consciente que os simples utilizadores, circulam pelos edifícios. Captam a espacialidade da arquitectura deambulando, perscrutando, fazendo associações de ideias, de formas, de dimensões. É através desse movimento que descobrem as infinitas variáveis do espaço arquitectónico, as singularidades que fazem distinguir um espaço significante da miríade de construções insignificantes que invadem o nosso campo visual. E fazem-no cruzando aquilo que vêem com as memórias de outros edifícios que transportam consigo, muitas vezes adquiridas através da observação mediada pela fotografia. A nossa cultura arquitectónica, na impossibilidade de visitar todos os edifícios do mundo, é maioritariamente construída através do olhar de outros.
É neste sentido que Fernando Guerra lança um olhar generoso sobre a arquitectura que regista. Entre os edifícios que fotografa, não se percebe, exactamente, um juízo de valor sobre os conteúdos da arquitectura; antes um controle, ao nível das emoções, que busca homogeneizar todos os registos. Portanto, cultiva-se a ausência de qualquer moralismo-crítico que possa interferir com o resultado final da imagem e que busca posicionar-se (arquitectonicamente) num plano neutral, valendo-se a si mesmo. É simultaneamente um mundo onde não há arquitecturas melhores, nem piores. O fotógrafo, ao contrário do fotógrafo-artista, é convocado e responde através do seu conhecimento de expert. Se manipula a imagem, isto é, se lhe retira um excesso qualquer de “realismo”, fá-lo consciente que trabalha num domínio de imparcialidade.
Os seus trabalhos são editados regularmente em diversas publicações tanto a nível nacional como internacional, em revistas como Casabella, Wallpaper*, Dwell, Icon, Domus, A+U, entre muitas outras.
A FG+SG colabora com diversos arquitectos portugueses como Álvaro Siza, Carlos Castanheira, Manuel Mateus, Manuel Graça Dias, Gonçalo Byrne, ARX Portugal, João luís Carrilho da Graça, Promontório Arquitectos; assim como, arquitectos internacionais como Márcio Kogan, Isay Weifeld, Arthur Casas, Zaha Hadid, Pei Cobb Freed & Partners entre outros.
Em 2012, foi nomeado Canon Explorer, assumindo o papel de embaixador da Canon Europa ao nível da fotografia de arquitetura.
O site ultimasreportagens.com tornou-se no ponto de partida para consultar arquitectura contemporânea portuguesa com mais de seiscentas reportagens online, bem como artigos especiais e publicações.
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Fernando Guerra has been a pioneer in the way architecture is photographed and divulged. 23 years ago, he opened studio FG+SG together with his brother, and both are responsible in large part for the diffusion of Portuguese contemporary architecture in the last twenty three years.
Fernando Guerra is an architectural photographer. His training, however, is as an architect. His gaze is divided between two distinct modes of constructing the world. Given this fact, he is in a prime position to personify the metamorphosis of the field of photography that will lead the practice of creating images to eventually identify itself, in part, with the field of architecture.
In order to understand a space, architects, possibly with a more conscious intentionality than mere users, walk about the buildings. They capture the spatiality of architecture by wandering, scrutinizing, and associating ideas, shapes, dimensions. It is through this movement that they discover the infinite variables of the architectural space, the singularities that distinguish a significant place from the myriad of insignificant constructions that invade our visual field. And they do it by blending what they see with the memories of other buildings they carry with them, often acquired through observation mediated by photography. Our architectural culture, given the impossibility of visiting all of the buildings in the world, is constructed mainly through the eyes of others.
It is in this sense that Fernando Guerra casts a generous eye upon the architecture he registers. Among the buildings he photographs, it is not exactly a value judgment on architectural content that is perceived, but rather an examination, at the emotional level, that seeks to homogenize all of the registers. Thus, what is cultivated is the absence of any critical moralism that might interfere with the image's final result and that seeks to position itself (architecturally) on a neutral plane, becoming useful in its own right. It is simultaneously a world in which better or worse architectures do not exist. The photographer, contrary to the photographer-artist, is summoned and responds through his knowledge as an expert. If he manipulates the image, that is, if any excess of "realism" is removed from it, he does it conscious of the fact that he works in a field of impartiality.
Fernando Guerra's work is regularly published in various national and international publications, in magazines such as Casabella, Wallpaper*, Dwell, Icon, Domus, A + U, among many others.
FG+SG collaborates with various Portuguese architects such as Álvaro Siza, Carlos Castanheira, Manuel Mateus, Manuel Graça Dias, Gonçalo Byrne, ARX Portugal, João Luís Carrilho da Graça, Promontório Arquitectos, as well as international architects such as Márcio Kogan, Isay Weifeld, Arthur Casas, Zaha Hadid, Pei Cobb Freed & Partners, among others.
In 2012 he was nominated Canon Explorer, having been appointed Canon Explorer, assuming the role of ambassador for Canon Europe in terms of architectural photography.
The website ultimasreportagens.com has become the starting point for consulting contemporary portuguese architecture with more than six hundred online features, as well as special articles and publications.
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A Canon reuniu um grupo dos mais destacados fotógrafos profissionais. Fernando Guerra foi convidado a integrar este programa internacional de fotógrafos, tornando-se assim membro do grupo “Explorers of Light”.
Canon has assembled a group of the world's leading professional photographers. Fernando Guerra was invited by Canon to join this international programme of photographers, thus becoming a member of the "Explorers of Light" group. |
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Nasceu em 1970, em Lisboa.
Licenciou-se em arquitectura em 1993 pela Universidade Lusíada de Lisboa, trabalhou durante cinco anos em Macau como arquitecto (1994-1999).
Leccionou a cadeira de Projecto II no curso de Arquitectura da Arca-Euac (Escola Universitária das Artes de Coimbra), entre 1999 a 2005.
Certificado pela Epson Digigraphie® em 2007; desde 2008 agenciado por VIEW Pictures, Londres – Reino Unido; e também, desde 2006 agenciado por FAB PICS – International Architecture Photography, Colónia – Alemanha.
O seu trabalho encontra-se representado em diversas colecções particulares
e públicas.
O Museu MoMa em Nova Iorque adquiriu em 2015 seis trabalhos de Fernando Guerra para a sua colecção permanente.
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Born in Lisbon in 1970.
Degree in Architecture in 1993 from Lusíada University in Lisbon, and worked five years as an architect in Macau (1994-1999).
Taught Projecto II for the Arquitectura da Arca-Euac (Escola Universitária das Artes de Coimbra) course between 1999 and 2005.
Certified by Epson Digigraphie® in 2007; represented by VIEW Pictures, London – United Kingdom since 2008; represented by FAB PICS – International Architecture Photography, Cologne – Germany since 2006.
His work is represented in various private and public collections.
MoMa New York bought in 2015 six works of Fernando Guerra for its permanent collection. |
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Exposições
2013
Exposição "Perspetivas - 40 anos de história"
Edifício Castil | Lisboa, Portugal.
Exposição
Battersea Power Station, Londres, UK.
2012
Exposição FG+SG | Artkey Gallery | Pequim, China.
Exposição "Aircraft Carrier" | Pavilhão de Israel na 13th Bienal de Arquitectura de Veneza, Itália.
2009
entre reportagens 01 | Galeria Colorfoto | Porto, Portugal.
2008
Mundo Perfeito | Casa da Cultura Fernando Távora | Aveiro, Portugal -
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Portugal - Ordem dos Arquitectos | Lisboa, Portugal.
Álvaro Siza. Modern Redux | Instituto Tomie Ohtake | São Paulo, Brasil
Álvaro Siza. Mundo Perfeito | dARQ, Universidade de Coimbra | Coimbra, Portugal.
PHOTOARQUITECTURA 08 | Collegi Oficial d’Arquitects de les Illes Balears, Palma de Mallorca, Espanha.
2007
Álvaro Siza obras | Embaixada de Portugal em Nova Delhi/Instituto Camões - Galeria Lali Kala Academi, no âmbito da VIII Cimeira EU-Índia | Nova Delhi, Índia.
Álvaro Siza obras | Russian Avantgarde Foundation, Schusev State Museum of Architecture, Embaixada de Portugal em Moscovo/Instituto Camões - Schusev State Museum of Architecture | Moscovo, Rússia.
Álvaro Siza obras | Accademia di Architettura di Mendrisio - Galeria da Accademia di Architettura di Mendrisio | Mendrisio, Suiça.
Álvaro Siza | Trienal de Arquitectura de Lisboa 2007, Museu da Electricidade | Lisboa, Portugal.
Álvaro Siza obras | Benaki Museum | Atenas, Grécia.
20 anos Atelier Arquiprojecta | Lisboa, Portugal.
Representante da Epson Portugal | Institut du Monde Arabe | Paris, França.
2006
Álvaro Siza – Fotografias de Fernando Guerra | Anyang Álvaro Siza Hall, Anyang, Coreia do Sul.
Álvaro Siza: pavellons et museus, 1993-2005 | Embaixada de Portugal em Andorra - Claustre dês Miralls dês Santuari de Meritxell - Andorra a Velha, Andorra, Espanha.
A Arquitectura pela objectiva de Fernando Guerra | Universidade Lusíada, Lisboa, Portugal.
2005
Arquiprojecta | Escritório da Simmons & Simmons Rebelo de Sousa,
Lisboa, Portugal.
A Arquitectura pela objectiva de Fernando Guerra | Galeria Colorfoto,
Porto, Portugal - Teatro Académico de Gil Vicente | Coimbra, Portugal - Galeria Design Dimensão | Lisboa, Portugal.
Prémio Revista Constructiva | Colégio de Arquitectos da Catalunha,
Girona, Espanha.
2004
Retornos de Olhar | FNAC Chiado | Lisboa, Portugal.
2003
Fernando Guerra | Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL) | Lisboa, Portugal.
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Exhibitions
2013
Exhibition "Perspetivas - 40 years of history"
Edifício Castil | Lisboa, Portugal.
Exhibition
Battersea Power Station, Londres, UK.
2012
Exhibition FG+SG | Artkey Gallery | Pequim, China.
Exhibition "Aircraft Carrier" | Israeli Pavilion at 13th Venice Architecture Biennale, Italy.
2009
between reports 01 | Colorfoto Gallery | Porto, Portugal.
2008
Perfect World | Casa da Cultura Fernando Távora | Aveiro, Portugal - Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Portugal - Ordem dos Arquitectos | Lisbon, Portugal.
Álvaro Siza. Modern Redux | Instituto Tomie Ohtake | São Paulo, Brazil.
Álvaro Siza. Perfect World | dARQ, Universidade de Coimbra | Coimbra, Portugal.
PHOTOARQUITECTURA 08 | Collegi Oficial d’Arquitects de les Illes Balears, Palma de Mallorca, Spain.
2007
Álvaro Siza works | Embassy of Portugal in New Delhi Nova/Instituto Camões - Gallery Lali Kala Academi, under the VIII EU-Índia Summit,
New Delhi, India.
Álvaro Siza works | Russian Avantgarde Foundation, Schusev State Museum of Architecture, the Embassy of Portugal in Moscow/Instituto Camões - Schusev State Museum of Architecture | Moscow, Russia.
Álvaro Siza works | Accademia di Architettura di Mendrisio – Gallery of the Accademia di Architettura di Mendrisio | Mendrisio, Switzerland.
Álvaro Siza | Architecture Triennale of Lisbon 2007, the Electricity Museum, Lisbon, Portugal.
Álvaro Siza works | Benaki Museum | Athens, Greece.
20 years Atelier Arquiprojecta | Lisbon, Portugal.
The representative of Epson Portugal at the European K3 Press Launch - Institut du Monde Arabe | Paris, France.
2006
Álvaro Siza - Photos by Fernando Guerra | Álvaro Siza Hall Anyang, Anyang, South Korea.
Álvaro Siza: Pavellons et museums, 1993-2005 | Embassy of Portugal in Andorra - Claustre dês Miralls dês Santuari de Meritxell - Andorra la Vella, Andorra, Spain.
Architecture through the lens of Fernando Guerra | Universidade Lusíada, Lisbon, Portugal.
2005
Arquiprojecta | Office of Simmons & Simmons Rebelo de Sousa | Lisbon, Portugal.
Architecture through the lens of Fernando Guerra | Colorfoto Gallery | Porto, Portugal - Teatro Académico de Gil Vicente | Coimbra, Portugal - Design Dimensão Gallery | Lisbon, Portugal.
Award from Constructiva Magazine | Colégio de Arquitectos da Catalunha, Girona, Spain.
2004
Return to Watch | FNAC Chiado | Lisbon, Portugal.
2003
Fernando Guerra | Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL) | Lisbon, Portugal.
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Conferências
2009
Portugal Convida | Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, Espanha.
2008
PHOTOARQUITECTURA 08 | Collegi Oficial d’Arquitects de les Illes Balears, Palma de Maiorca, Espanha.
Mundo Perfeito | Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Portugal.
2006
Fernando Guerra | LG Festival | Seoul, Coreia do Sul.
2003
Fernando Guerra | Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL) | Lisboa, Portugal.
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Conferences
2009
Portugal Calls | Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, Spain.
2008
PHOTOARQUITECTURA 08 | Collegi Oficial d’Arquitects de les Illes Balears, Palma de Mallorca, Spain.
Perfect World | Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Portugal.
2006
Fernando Guerra | LG Festival | Seoul, South Korea.
2003
Fernando Guerra | Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL) | Lisbon, Portugal. |
Entrevistas 2013
Os criadores de edifícios perfeitos | Noticias Magazine.
KNSTRCT: The man behind the camera of modern architecture an-insightful.
2009
"Mi forma de mirar es la de um Arquitecto" | Ceramicaplus magazine, Espanha.
a | c - Reed Business Information magazine | Lisboa, Portugal.
2008
Um olhar sobre a arquitectura | #27 n*style magazine | Portugal.
Fotografia de Arquitectura | Super Foto Magazine - Março 2008 | Portugal.
Jornal Meia Hora | 162 - 13 de Março | Lisboa, Portugal.
Dibujos Visuais | 022 +arquitectura revista | Lisboa, Portugal.
2006
Luz sobre Portugal | www.arkinetia.com
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Interviews
2013
Os criadores de edifícios perfeitos | Noticias Magazine.
KNSTRCT: The man behind the camera of modern architecture an-insightful.
2009
My way of seeing is that of an Architect | Ceramicaplus magazine | Spain.
a | c - Reed Business Information Magazine | Lisbon, Portugal.
2008
“Um olhar sobre a arquitectura” | #27 n*style magazine | Portugal.
"Fotografia de Arquitectura" | Super Foto Magazine - March 2008 | Portugal.
Meia Hora Daily | 162 - March 13th | Lisbon, Portugal.
“Dibujos Visuais” | 022 +arquitectura magazine | Lisbon, Portugal.
2006
“Luz sobre Portugal” | www.arkinetia.com
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Prémios
2012
Prémio Arcaid Images para Fotografia de Arquitetura, na categoria "Exteriores".
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Awards 2012
Arcaid Images Award | Architectural Photography in "Exteriors" category. |
Online
2009
ULTIMAS MAG | Centro de Documentação Álvaro Siza www.ultimasreportagens.com/mag | Revista online (Pt | Eng)
2007
ULTIMAS MAG | Adega Mayor – Álvaro Siza www.ultimasreportagens.com/mag | Revista online (Pt | Eng)
2005
www.ultimasreportagens.com (Pt | Eng)
2003
www.fernandoguerra.com
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Online
2009
ULTIMAS MAG | Centro de Documentação Álvaro Siza
www.ultimasreportagens.com/mag | Revista online (Pt | Eng)
2007
ULTIMAS MAG | Adega Mayor – Álvaro Siza www.ultimasreportagens.com/mag | Revista online (Pt | Eng)
2005
www.ultimasreportagens.com (Pt | Eng)
2003
www.fernandoguerra.com
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O Fazedor
Pedro Gadanho
Já devem ter reparado que, dentro do universo da fotografia contemporânea, a fotografia de arquitectura se transformou, nos últimos anos, num campo à parte. Ganhou autonomia. Tem a sua história e as suas referências. Tem os seus autores e os seus subgéneros. Está prestes a lograr a perfeição.
Tal como a recurso à fotografia por parte da arte contemporânea detém um território especial –que por vezes se cruza com o do campo que aqui descrevo– também o olhar profissional sobre os mundos construídos da arquitectura ganhou as suas lógicas próprias.
Como se comprovava num recente seminário internacional sobre arquitectura e imagem, também este campo detém agora os seus historiadores, as suas estrelas e os seus debates internos.
E os media da fotografia de arquitectura começam, naturalmente, a imiscuir-se com os media da produção arquitectónica que essa fotografia retrata.
Enquanto os blogues internacionais começam a dedicar uma atenção particular aos autores deste campo – a entrevistá-los, a descobrir os seus temas, a analisar a especificidade da sua produção individual– um dia destes, que já não está longe, perguntar-nos-emos se os media da arquitectura não se tornaram, entretanto, nos media desta fotografia específica.
Poderá parecer perverso que tal aconteça, mas a verdade é que, num mundo construído sobre a lógica da imagem, a fotografia ajuda a construir a arquitectura – e, portanto, é justo que um dia lhe tome parcialmente o lugar.
As ficções arquitectónicas da fotografia contemporânea, a que já me referi noutros contextos, não são senão uma evidência sub-reptícia desta metamorfose.
Fernando Guerra é fotógrafo de arquitectura. A sua formação, porém, é de arquitecto. O seu olhar divide-se entre dois modos distintos de construir o mundo. Por esta circunstância, ele encontra-se numa posição privilegiada para protagonizar a metamorfose do campo fotográfico que fará com que esta prática de criação de imagens se venha a identificar, em parte, com o próprio campo arquitectónico.
Posso oferecer uma prova pessoal: sendo irónico que uma casa minúscula como a Casa Baltasar tenha tido uma projecção mediática tão proeminente, a imagem que teve o dom de projectar esta arquitectura menor para essa enorme visibilidade foi descoberta por Fernando Guerra.
O potencial estava lá, é certo, mas foi o olhar de Guerra que, entre outras imagens já antevistas, fixou em definitivo a espacialidade peculiar de um determinado ponto de vista.
Como acontece com outros, não se dá aqui o caso de que Fernando Guerra ambiciona transferir o seu desejo de fazer arquitectura para a elaboração de imagens que substituam a própria arquitectura. Mas a leitura e a interpretação também constroem mundos. E como na história dos cartógrafos de Jorge Luís Borges, pode acontecer que estes mundos se justaponham à realidade de forma tão justa que se vêm a confundir com ela.
Quando a FG+SG surgiu na arena da fotografia de arquitectura, oferecia aos arquitectos um modelo de negócio irresistível. Guerra não só fotografava, e bem, as obras de arquitectura, mas a sua presença estratégica na rede virtual funcionava, ainda, como uma importante plataforma de visibilidade para as imagens produzidas.
Construía-se, deste modo, não apenas um “mundo perfeito,” mas também as ferramentas perfeitas para a indispensável e desejável difusão das obras retratadas.
Com esta vantagem competitiva e o brio de um impecável profissionalismo, a FG+SG começou, primeiro inadvertidamente, depois conscientemente, a construir o mais vasto arquivo da arquitectura portuguesa contemporânea hoje disponível.
A sua obra fotográfica tornou-se expressiva de um potencial ainda inaudito na curta história da autonomia deste novo campo: a cartografia do seu arquivo tornou-se indistinguível da realidade da arquitectura portuguesa a que, naturalmente, todos os arquitectos portugueses aspiram pertencer.
Independentemente da sua própria vontade, Fernando Guerra tornou-se o fazedor do império.
Pedro Gadanho divide a sua actividade entre arquitectura, curadoria, crítica e docência universitária. É MA in Art & Architecture e realizou doutoramento na F.A.U.P., onde lecciona. É editor do blog ShrapnelContemporary e do bookazine Beyond, Short-Stories on the Post-Contemporary, em Amsterdão, contribuindo regularmente para outras publicações a nível internacional. Foi comissário de ‘Metaflux,’ representação portuguesa na Bienal de Veneza de Arquitectura de 2004, e de mostras como ‘Space Invaders,’ ‘Post. Rotterdam,’ ‘Pancho Guedes,Um modernista alternativo,’ e ‘Habitar Portugal 2006-2008.’ Integrou a direcção da ExperimentaDesign, entre 2000 e 2003. Os seus projectos de arquitectura incluem a Casa Laranja, em Carreço, o Art Center da Fundação Ellipse, e a Casa Baltasar, no Porto. shrapnelcontemporary
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The Maker
Pedro Gadanho
You must have already noticed that within the world of contemporary photography, architectural photography has become a field apart in recent years. It has won its autonomy. It has its own history and references. It has its own authors and subgenres. It is about to achieve perfection.
Just as contemporary art’s use of photography is a special territory -sometimes intersecting with the field I describe here- so too has the professional gaze towards architecture’s constructed worlds gained its own logic.
As confirmed during a recent international seminar on architecture and image, this field also now has its historians, its stars, and its internal debates.
And the media of architectural photography are naturally starting to meddle with the media of architectural production depicted by the photography.
As international blogs start devoting particular attention to the auteurs of this field - interviewing them, discovering their subjects, examining their specific, individual productions - one day, in the not-so-distant future, we will ask ourselves if the media of architecture did not, in the meantime, become the media of this specific kind of photography.
It might seem perverse if this happens, but the truth is that in a world constructed according to the logic of the image, photography helps construct architecture - and, therefore, it is fair if it one day partially takes its place.
The architectural fictions of contemporary photography, which I have mentioned elsewhere, are nothing if not surreptitious evidence of this metamorphosis.
Fernando Guerra is an architectural photographer. Yet, his degree is in architecture. His vision is divided between two distinct ways of constructing the world. Due to these circumstances, he is in a privileged position to serve as a protagonist in the metamorphosis of photography that will lead the practice of creating images to identify, in part, with the field of architecture itself.
I offer personal proof: it is ironic that a tiny house like the Casa Baltasar had such prominent media projection. The image with the power to project this minor example of architecture towards such enormous visibility was discovered by Fernando Guerra.
Admittedly, the potential was always there, but it was Guerra’s vision, among other previously imagined images, that definitively cemented the peculiar concept of space of a determined point of view.
Contrary to what happens with others, Fernando Guerra does not attempt to transfer his desire to make architecture by creating images that substitute architecture itself. But reading and interpretating also construct worlds. And like the story of the cartographers of Jorge Luis Borges, it is possible that these worlds are juxtaposed with reality in such an accurate way that they merge.
When FG+SG entered the arena of architectural photography, it offered architects an irresistible business model. Guerra not only photographed –and well- works of architecture, but his strategic presence on the virtual network still functioned as an important platform for visibility of the images produced.
In this way, not only was a "perfect world" constructed, but also the perfect tools were created for the essential and desirable dissemination of the depicted works.
With this competitive advantage and the commitment of impeccable professionalism, FG+SG began, first inadvertently, then consciously, to build the largest archive of contemporary Portuguese architecture available today.
His photographic work has become the expression of a still unprecedented potential in the short history of this new autonomous field. His archive has become indistinguishable from the reality of Portuguese architecture to which, naturally, all Portuguese architects aspire to be a part. Regardless of his own volition, Fernando Guerra has become the maker of the empire.
Pedro Gadanho is an architect, curator and writer based in Lisbon. He is an MA in art & architecture, holds a PHD on architecture & mass-media from F.A.U.P., where he currently teaches. He is the editor-in-chief of the bookazine BEYOND, Short-stories on the Post-Contemporary, curates the blog Sfrapnel Contemporary and contributes regularly to other international publications. He co-authored two TV series and, between 2000 and 2003, was one of the chief curators of ExperimentaDesign, the Lisbon Biennial. He curated Metaflux, the Portuguese representation at the 2004 Architecture Venice Biennale, and other exhibitions such as Post.Rotterdam, for Porto2001, Space Invaders, for the British Council London, Pancho Guedes, for the Swiss Architecture Museum, and most recently Habitar Portugal 2006-1008. Amongst exhibition layouts, galleries and refurbishments, his designs include the Ellipse Foundation in Lisbon, and the widely published Orange House, in Carreço, and Family Home, in Oporto. shrapnelcontemporary
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A ARQUITECTURA DA FOTOGRAFIA
Manuel Graça Dias
Teve que passar bastante tempo, depois de 1839 e dos primeiros daguerreotipos que reproduziam "quadros" postos à frente do fotógrafo (para alegria e espanto sobretudo daqueles que sempre tinham, secreta e miticamente, ambicionado poder um dia ficar fixados numa tela através do "génio" de um artista pintor), para que a fotografia ganhasse um estatuto próprio, como se sabe.
Se para a pintura foi fundamental essa data -- para se poder começar a desvincular da obrigação de "reproduzir" o real, para se poder dedicar ao que sempre verdadeiramente lhe interessara (o recorte, os contrastes, a luz, a sombra, o despertar da cor ou o seu súbito desvanecimento, tomando como base troços visualizados do mundo real, mas também outras imagens: inventadas, sonhadas, derivadas ou irreconhecíveis) --, para a própria fotografia terá parecido muito pouco provável a saída imediata desse inicial universo de figuração e de composição em espelho, a devolver, simbólico, a quem se desejava ver retratado.
No entanto, ganha a "objectividade" da devolução da imagem, sobrava ainda o subjectivo "olhar" aberto através do quadrado onde batia a luz, nas costas do fole das câmaras fotográficas. O sublime da arte foi descoberto quando se compreendeu o encanto de re-olhar o que já conhecíamos, deixando "em fundo" garantido o "documento" e trazendo "para a frente", a espécie de renovação rectangular que, simultaneamente, o isolava do mundo e do contexto.
[As "câmaras mentem tanto", diz-nos Bill Watterson através da boca de Calvin ("Calvin & Hobbes", Público, 15 de Outubro de 2002)].
A fotografia "documental" passou a existir (daí o seu encanto) neste estreito esmagamento temporal, entre a felicidade do acontecimento, do ambiente ou da acção a reproduzir e o vislumbrado novo modo de os "enquadrar" (com a assistência da "técnica", que permitirá a melhor abertura face à luz, o melhor "foco", a melhor profundidade de campo).
A "Fotografia de Arquitectura" inserindo-se nesta categoria, obrigará, ainda, suplementarmente, a um enorme rigor em qualquer dos níveis considerados.
Exigir-se-lhe-á, primeiro, que nos devolva a compreensão do espaço retratado. Tarefa impossível, porquanto o espaço e as suas múltiplas dimensões não se deixam "prender" na bidimensionalidade da convergência perspéctica da reprodução fotográfica; mas uma "aproximação", uma "aproximação" que nos acorde as memórias de outras experiências e que nos sugestione o tipo de espaço, as preocupações do autor, o que sentiu o fotógrafo que o habitou antes de no-lo tentar devolver e à pesada leveza do que o envolve.
Quanto tempo (dias) aguardará pelo sol? Aquele sol -- daquele dia -- as sombras que provoca? Não para "falsear" na revelação a sua estadia, mas porque sentiu caracterizador (e então uma boa hipótese de sugestão), aquela particular sombra de um dia de Verão.
Depois o olhar, o tal quadrado ou quadro que é o interior do enquadramento: como vai o fotógrafo de arquitectura "enquadrar"? O que omitirá? De que cuidados e éticas se rodeará, com a caixa aberta perscrutando o construído? Procurando o real? Revendo o real?
Só depois a "técnica", mediando ambas, pedida por ambas. E representar a Arquitectura irá exigir a ilusão de eliminar a distorção perspéctica, encontrando o non troppo herdado da composição renascentista, regressando à alvenaria plasmada em plano que o nosso olhar, educado por séculos de imagens, aprendeu a admitir. Entram as lentes ajustadas e as baterias de máquinas aqui; por vezes, ainda um pouco de photoshop, para anular um prematuro grafitti, uma mancha quase mínima ou uma sombra que só a cuidadosa observação posterior da imagem revelou.
Mostrar a arquitectura. Todos os arquitectos se julgam fotógrafos. Vítor Figueiredo especulava sobre o tema.
O que levará os arquitectos a sentirem-se tão à vontade por aí, sabendo nós que só de alguns -- poucos --, nos interessarão as fotografias?
Os arquitectos emocionam-se com a arquitectura: com a do passado, com a moderna, com a qualidade e com a originalidade do espaço, com o acerto geométrico do espaço que o espaço parecerá conter. E querem guardar essas emoções. Querem (imaginam querer), mais tarde, poder olhar o pedaço de real, recompondo mentalmente esse real. Querem copiar, transportar aquela emoção, refundi-la, eventualmente, noutros contextos, também reais.
Muitos tropeçarão, por isso, na armadilha da "objectividade". Outros divagarão sobre o olhar, propondo-nos outros olhares. A poucos sobrará a necessária paciência para, emocionados, aguardarem o acordar da manhã, o primeiro raio de sol ou então o último, a sombra longa estendida, o brilho no cerâmico, a passagem dos bandos de pássaros à hora da algazarra.
Na sua actividade solitária, privilegiarão os corredores vazios para melhor poderem, e mais à vontade, experimentar, testar, inventar o olhar.
Só quando virem passar ao longe fugaz um aluno, numa escola em férias, compreenderão então, quanto aquele vulto, subitamente, é de tal modo definitivo para a compreensão da dimensão do corredor, para o corte da luz que "rebenta" o fundo, para a inscrição da escala, face à altura do todo.
Mas a lenta artilharia técnica não se compadece com a frescura da reportagem que o arquitecto desejaria atenta, acordada e "plástica" face aos acontecimentos.
Ali, onde os acontecimentos seriam o espaço parado existente, mexido pela solene passagem do sol, no enfiado preciso com a porta-corredor-tubo, é o arquitecto-fotógrafo que, depois de tudo ajustar, emprestará ainda o seu corpo à imagem do espaço que anteviu, na ausência desse aluno que só verá do espaço a imagem mais tarde.
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THE ARCHITECTURE OF PHOTOGRAPHY
Manuel Graça Dias
As is known, it took quite a long time before photography gained its own independent status following 1839 and the first daguerreotypes reproducing “portraits” in front of the photographer (to the delight and surprise of especially those who had, secretly and mythically, always wished to be permanently captured on canvas through the painter’s “genius”).
If this date was fundamental for painting -- in order to begin to free itself from the obligation of “reproducing” reality and to focus on what had always been of true interest (contour, contrasts, light, shadow, bursts of colour or its sudden vanishing, taking as a starting point glimpses of the real world, but also of other images: invented, dreamt, derived or unrecognisable) --, for the photograph itself, an immediate escape from this initially mirrored compositional universe was very unlikely, as it constituted a symbolic return to whomever desired a portrait of themselves.
Nevertheless, with the image’s new-found “objectivity”, a subjective “view” remained, opened by the square where the light shone on the back of the camera’s bellows. The art’s sublime nature was discovered through a marvelled re-examination of what we were already familiar with, leaving the “document” in the “background” and bringing to the “foreground” a kind of rectangular renovation that simultaneously isolated it from the world and its context.
The “documental” photograph has come to exist within this narrow, temporal crush (therein its charm), between reproducing the joy of an environment, event or action and the transient, novel method for “capturing” it (with “technical” assistance, allowing for greater aperture, “focus”, and depth of field).
As part of this category, the “Photography of Architecture” would eventually demand enormous, albeit supplementary, rigour at any one of the levels considered.
First of all, it would require that it return our understanding of the depicted space to us: an impossible task seeing that the space and its multiple dimensions do not lend themselves to being “captured” by the two-dimensional, perspectival convergence of photographic reproduction; it is rather an “approximation”, an “approximation” evoking memories of other experiences and which is suggestive of the type of space, the author’s concerns, of what the photographer who inhabited the space felt before attempting to return it to us, and the heavy lightness surrounding it.
How long (days) will he wait for the sun? That sun -- on that day -- the provocative shadows? Not in order to “distort” his sojourn during development, but because he felt that particular shadow on a summer’s day to be characteristic (and thus a good suggestive possibility).
Following the view, thesaid square in the interior of the frame: how is the architectural photographer going to “frame” it? What will he omit? What precautions and ethics will he surround himself with, the open shutter scrutinising the structure. Searching for what is real? Re-examining what is real?
Only afterwards comes the “technique”, mediating both and required by both. Depicting architecture would come to require the illusion of eliminating perspectival distortion, finding the non troppo inherited from Renaissance composition, returning to the flat moulded masonry that our eye, educated by centuries of images, has learnt to allow for. Adjusted lenses and batteries enter here; sometimes even a bit of photoshop to delete untimely graffiti, an almost minimal spot or a shadow that only a subsequent careful observation of the image has revealed.
Show architecture. All architects see themselves as photographers. Vítor Figueiredo speculated on the subject.
What leads architects to feel so at ease in this field, knowing that the photographs will only interest a few?
Architects are excited by architecture: both from the past as well as modern, by the quality and originality of the space, with the geometric reason it seems to contain. They want to preserve this excitement. They want (imagine they want) to be able to look at a piece of reality later, mentally recomposing this reality. They want to copy and transport that excitement, reshaping it, possibly, for other, real contexts.
Many will therefore fall into the trap of “objectivity”. Others will skirt around the view, proposing new ones. A few will remain with the necessary patience to excitedly preserve the dawn, the first or last of the sun’s rays, the long, extended shadow, its glimmer on the ceramics, the passing of flocks of birds during the hour of din.
In their solitary activity, they will favour the empty corridors to be better able to (and more at ease to) experiment, test, and invent their “view”.
Only in the fleeting distance, when they catch a student in a school closed for the holidays, will they then understand how much that figure is suddenly so definitive for understanding the corridor's dimensions, the sliver of light that splinters the background, the scale’s inscription, faced with the height of the whole.
But the slow technical artillery is not compatible with the freshness of the piece that the architect would like to maintain alert, awake and “malleable” in the face of events.
There, where events would constitute the existing, immobile space, moved by the solemn passage of the sun, on the threaded precision with the door-corridor-tube, it is the architect-photographer who, after adjusting everything, will lend even his body to the space’s image that he has foreseen, in the absence of this student who only later will see the image’s space.
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RECONFIGURAR O MUNDO
Luís Urbano
Não acredito na objectividade da fotografia. Por mais que muitos tentem apagar as contingências subjectivas da vida quotidiana que contaminam os espaços puros que os arquitectos desenham, uma imagem de um qualquer objecto arquitectónico, ou simplesmente de um objecto, é sempre a imposição de um ponto de vista. De quem fotografa, de quem escolhe o enquadramento, de quem escolhe a luz, o tempo de exposição, o tipo de lente, a máquina. É um olhar que implica uma escolha, ou infinitas escolhas, e é por definição (definitivamente?) subjectivo.
Não acredito no mito do fotógrafo de arquitectura contemplador que acha possível escolher a priori um único olhar sintético que conjugue tudo o que uma obra de arquitectura encerra. A arquitectura é por definição múltipla, dependente de inúmeras variáveis, nunca totalmente apreensível, infinitamente interpretável. A percepção da arquitectura depende da conjugação de múltiplos pontos de vista, da reconstituição mental de inúmeros espaços.
Aldo Rossi, na sua “Autobiografia Científica” reconhece que “a observação das coisas permaneceu, provavelmente, como a minha mais importante educação formal e isto porque a observação se transforma mais tarde em memória”. Ao olhar para trás, Rossi cruza a sua própria cultura, a memória das coisas, “que consigo ver dispostas ordenadamente, como num herbário, num catálogo ou num dicionário”, com a imaginação. Este processo não é linear, havendo um cruzamento entre ambas que produz diferentes significados, isto é, o resultado dessa hibridação é mais do que a simples soma das partes. “Este catálogo, situado algures entre a imaginação e a memória, não é neutral. Reaparece quase sempre nalguns objectos constituindo a sua deformação e, em certa medida, a sua evolução”. O que observámos no passado reaparece na presença do novo, filtrado pela força da memória das coisas, permitindo um novo olhar, com sentido crítico. É a memória que forma o olhar, permitindo a deformação dos objectos, isto é, quando olhamos para um qualquer objecto, arquitectónico ou não, ele transfigura-se quando cruzado com a recordação daquilo que já vivemos.
O olhar de Fernando Guerra é um olhar de arquitecto. Para compreender o espaço, os arquitectos, eventualmente com uma intencionalidade mais consciente que os simples utilizadores, circulam pelos edifícios. Captam a espacialidade da arquitectura deambulando, perscrutando, fazendo associações de ideias, de formas, de dimensões. É através desse movimento que descobrem as infinitas variáveis do espaço arquitectónico, as singularidades que fazem distinguir um espaço significante da miríade de construções insignificantes que invadem o nosso campo visual. E fazem-no cruzando aquilo que vêem com as memórias de outros edifícios que transportam consigo, muitas vezes adquiridas através da observação mediada pela fotografia. A nossa cultura arquitectónica, na impossibilidade de visitar todos os edifícios do mundo, é maioritariamente construída através do olhar de outros.
Através da generosidade de nos oferecer múltiplos pontos de vista de um edifício, as reportagens fotográficas de Fernando Guerra aproximam-se da vivência real do espaço, ao permitir que reconstituamos um lugar através da soma de todas imagens. Nesse sentido aproxima-se também da linguagem cinematográfica, não só pela implícita ideia de movimento que as suas imagens transmitem mas também pelo sentido narrativo que lhes imprime o fotógrafo. E daí a necessidade, quase obsessiva, de incluir personagens nos seus enquadramentos. Por vezes personagens anónimas, outras vezes os arquitectos, muitas vezes o próprio fotógrafo. Certamente não por qualquer vontade de auto representação, mas pela necessidade de dar sentido e escala a um determinado espaço, que na ausência de uma figura humana se tornaria incompreensivelmente abstracto. Há uma vontade de que cada imagem encerre um fragmento de vida, uma história pessoal, mas onde os personagens são suficientemente indefinidos, vultos quase, para deixar o observador imaginar o quadro que entender. Como em Julius Schulman, as imagens de Fernando Guerra procuram, para além de representar a arquitectura, captar um sentido de lugar, uma atmosfera que define a época contemporânea. Mas o que em Schulman era intencionalmente encenado, com um sentido narrativo por vezes demasiado literal, em Guerra é intencionalmente difuso, permitindo imaginar todas as histórias que aí terão lugar.
A palavra perfeição encerra uma certa radicalidade, já que implica um estado limite, sem evolução possível. Quando se atinge a perfeição nada mais há a fazer senão contemplar o belo. Mas ao mesmo tempo a busca da perfeição pode ser um acto generoso. Quando se tem por objectivo encontrar as melhores imagens para representar a essência e o conceito de um edifício, está-se a responder aos desejos daqueles que o projectaram. Tal como os arquitectos reconstroem um mundo particular em cada projecto, procurando dar um sentido de unicidade a partir das variáveis com que se confrontam - do cliente ao lugar, da geografia ao orçamento, das contingências materiais às limitações estruturais - as fotografias de Fernando Guerra devolvem à arquitectura essa procura da perfeição possível, “intensificando a realidade retratada”, reconfigurando o mundo que a rodeia.
Mundo Perfeito, livro e exposição, mostra também a vontade de conjugar arquitecturas que partilham uma mesma identidade, a arquitectura feita em Portugal, hoje. Não fossem as conotações demasiado politizadas, mundo aqui poderia querer dizer mundo português. Mas um mundo português agora aberto aos outros mundos, plural, democrático, cosmopolita. A circunstância de serem obras feitas em território português ou por portugueses noutros territórios, e apesar da volatilidade do que hoje representa a ideia de fronteiras e identidades nacionais, não deixa de constituir um denominador comum que justifica a sua aglutinação num conjunto reconhecidamente heterogéneo mas unificado pelo olhar de Fernando Guerra. O seu trabalho, e basta passar pelo ultimasreportagens.com para o perceber, não se limita apenas a um acervo de imagens de arquitectura, valiosíssimo por sinal, pelo que significa de possibilidades de divulgação dentro e fora de portas; antes se institui como um discurso autónomo e original sobre a arquitectura portuguesa contemporânea.
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MUNDO PERFEITO
Ana Vaz Milheiro
A arquitectura está associada aos primórdios da fotografia: “No início da invenção fotográfica, devido aos longos tempos de exposição e à pouca maleabilidade dos químicos, a imobilidade do objecto fotografado era indispensável." De objecto adequado à reprodução através do método daguerreótipo, o edifício acabou mais recentemente como tema para a fotografia contemporânea. A tendência tem-se sobreposto à prática corrente de fotografar arquitectura. O efeito sobre o observador comum é relevante. Tomando-se como objecto de artistas, mais precisamente de fotógrafos-artistas, a arquitectura perde materialidade na mesma proporção em que a fotografia que a representa deixa de desejar captar uma dimensão “real”.
O processo pode ser talvez ilustrado através da forma como também os meios de produção da arquitectura – como as maquetas – têm vindo a incorporar o universo dos artistas e dos fotógrafos. Casos como o de Thomas Demand são disso exemplo. Demand fotografa maquetas simulando lugares ou construções onde ocorreram factos “reais” e, na maior parte das vezes, mediáticos. Por vezes essas maquetas são “adulteradas”, intervindo-se deste modo sobre a memória colectiva de um determinado acontecimento onde a arquitectura desempenhou um papel significativo. Ao fotografar a maqueta de um edifício não construído de Albert Speer para a Exposição Internacional de Paris de 1937, Demand “refez” a maqueta sem os símbolos do nazismo, e assim “em Modell, o edifício de Speer aparece representado a branco na tradição modernista.”
Estes registos são todavia “não documentais”, inscrevendo-se portanto no domínio da arte. A sua relevância para a arquitectura assenta no entendimento sobre a prática que de modo genérico provoca no público – precisamente por alterar as percepções ligadas ao contexto, ao espaço, ou aos materiais (cores, texturas, etc.).
Fotógrafos conceituados mantêm uma forte ligação com obras de certos autores. O trabalho de Thomas Ruff, por exemplo, tem um vínculo importante com a arquitectura de Jacques Herzog e Pierre de Meuron, chegando mesmo a conseguir que imagens bidimensionais substituam no imaginário corrente os edifícios projectados pelos dois arquitectos.
A ligação data de 1991, quando Ruff realizou as fotografias que representaram o trabalho deste escritório sediado em Basileia na Bienal de Veneza. Não foi a primeira incursão de Ruff pela arquitectura (que remontava a 1987), mas revelou-se exemplar: “Ruff had never heard of the Swiss architects and initially turned the job down. He knew how demanding architectural photography is. You can only work on Sunday morning when traffic and pedestrians are at a minimum and only from the beginning of January to mid March, when the lighting is right, thanks to the overcast skies.” Supostamente, exigências técnicas restritas dificultavam a concretização do projecto.
Havia ainda um outro argumento significativo que Ruff a dada altura teria evocado: tratando-se de um artista plástico não desejava ser recrutado para um trabalho. Este aspecto da relação inicial entre Ruff e os arquitectos mostra como há nesta ligação uma liberdade muito particular que é gerida pelo artista e não pelo “encomendador”. Fica claro neste testemunho que quem definiu as regras foi o fotógrafo, não os arquitectos. Dos edifícios fotografados, seriam míticos os processos utilizados com o objectivo de tornar o resultado “pictórico”. Sem profundidade, o espaço manter-se-ia “não representado”. Em alguns casos as imagens foram manipuladas ao ponto de se retirar os elementos que inibissem uma leitura “plana” dos edifícios. E também aqui se chegou a fotografar maquetas em vez das obras.
“A arquitectura torna-se imagem”, escreve a este propósito Pedro Bandeira. A fotografia autonomiza-se do seu tema – apropria-se e modifica…“A picture is a picture. It should not generate the illusion of depth. Reality can be as deep as it wants. I make my picture on the surface.” Não se trata exactamente de desenvolver uma relação com a arquitectura, antes com uma imagem que se pode fabricar a partir dela.
Para Herzog & de Meuron, Ruff fotografa essencialmente exteriores; enquanto Candida Höfer, outra alemã, prefere os espaços interiores escolhidos ao acaso e sem um enquadramento arquitectónico autoral, histórico ou estilístico. “As fotografias de Candida Höfer são sobre as qualidades estéticas do espaço, os seus limites e sobre a relação que o olhar estabelece com as grandezas determinadas arquitectónica e escultoricamente”. Se as suas imagens surgem conjecturalmente como mais “arquitectónicas”, na verdade, não o são e o “seu ímpeto é … puramente fotográfico.” Höfer recorda-o: “Há sempre uma diferença entre a imagem e o que chamamos de realidade. Às vezes as pessoas esquecem-se disso quando deparam com o ‘medium’ fotográfico. Trata-se de um mal entendido histórico sobre esse ‘medium’.”
Apesar de se afastarem do mundo da arquitectura, como é aqui explicado pela fotógrafa alemã, imagens de artistas como Ruff ou Höfer têm causado um forte impacto entre os arquitectos, repercutindo-se nas representações que alguns procuram – enquanto autores de edifícios – da sua própria arquitectura. Talvez porque reforçam o carácter esteta da obra e uma certa inacessibilidade que garante a conotação do edifício como peça de excepção. Em Portugal, a representação da obra dos irmãos Aires Mateus pelo fotógrafo Daniel Malhão aproxima-se desta tendência. No entanto, para que essa representação não perca eficácia comunicativa é indispensável que a arquitectura seja o objecto da fotografia e não apenas o tema, isto é, que não seja somente um tema tratado como o nu ou a natureza morta na pintura. Este facto faz sobreviver a fotografia de arquitectura enquanto acto isolado da produção de arte. E frequentemente essas imagens não são vistas com autonomia artística, merecendo até desconfiança nos circuitos expositivos.
É também habitual, os arquitectos estabelecerem ligações de dependência em relação a certos “enquadramentos fotográficos”. Fazendo a conversão para a realidade portuguesa, pode-se trazer aqui o caso dos edifícios de João Luís Carrilho da Graça, maioritariamente fotografados por Maria Timóteo, fotógrafa “residente” do escritório. E há, é claro, o domínio da objectiva “realista” de Luís Ferreira Alves que imprime um cunho “não artificioso” aos seus registos – aproximando-se de uma captação tendencialmente mais “autêntica”. A sua “visão” acabaria por interpretar um certo tom lacónico da arquitectura portuguesa inscrita na tradição da Escola do Porto, tornando-o um dos mais “alinhados” fotógrafos nacionais. Num plano mais autoral estaria, por exemplo, José Manuel Rodrigues, na sua prática intermitente de fotógrafo-de-arquitectura onde claramente predomina a persona artística, como comprovam os seus registos de edifícios sizianos. Os diferentes registos das Piscinas de Leça, captados num tempo longo, são a este propósito eloquentes.
Estamos, é claro, no universo de fotógrafos que, ao contrário de Demand, Ruff ou Höfer, estão em condições de reproduzir edifícios e não apenas de fabricar imagens motivadas por eles. Significa que a fotografia não é aqui um fim em si mesmo, mas um meio. Fernando Guerra está neste último grupo. É um fotógrafo que, tendo formação como arquitecto, mede bem as demandas que a arquitectura solicita. Deliberadamente não a trata como tema artístico, o que não significa que as suas imagens não sejam extremamente “calculadas”.
Fotografar arquitectura é, na sua génese, um gesto “comedido”: trata-se de entrar na obra do “outro” e captar o que lhe é fundamental, sem comprometer a lógica dos seus conteúdos. Não se deseja “modificar” – numa referência óbvia ao trabalho de Ruff sobre os edifícios de Herzog & de Meuron –, antes “fixar”. Parece portanto ser um lugar difícil à criatividade de autor já que, aparentemente, o fotógrafo prescinde da centralidade do seu olhar para deixar o edifício fluir através das imagens. As mesmas imagens que construirão a memória futura que se formará desses edifícios.
A fotografia constrói uma imagem alternativa à arquitectura e, num universo mediático, confunde-se com a própria arquitectura. No domínio do público, o reconhecimento da “excepcionalidade” de um edifício está muitas vezes associado ao seu registo em fotografia. Significa que, para chegar a um plano de maior comunicabilidade, a arquitectura depende muito de quem a fotografa; principalmente do modo como é fotografada.
Metodologicamente, o processo de trabalho de Fernando Guerra é extremamente escrupuloso, procurando não descurar algum detalhe que possa vir a revelar-se fundamental na compreensão do edifício: a exposição à luz (diurna/nocturna); o posicionamento da objectiva; o movimento coreografado das pessoas. Fernando Guerra “vê” inclusive pormenores que estão inacessíveis a olho nu; perspectivas insondáveis. Possui um profundo domínio dos skills técnicos. As suas fotografias são meticulosamente preparadas, mesmo na gestão do próprio serviço que as tecnologias podem fornecer para um apuramento da “perfeição”. Evolui depois para a determinação do melhor enquadramento possível, o que faz delas, imagens límpidas e “puras”, livres de qualquer intromissão que possa comprometer o equilíbrio compositivo (que também é gráfico) e a clareza do objecto fotografado. O universo da arquitectura que Fernando Guerra nos propõe é, quase sempre, um mundo perfeito. Panorâmico. Não-contaminado. Luminoso.
É neste sentido que Fernando Guerra lança um olhar generoso sobre a arquitectura que regista. Entre os edifícios que fotografa, não se percebe, exactamente, um juízo de valor sobre os conteúdos da arquitectura; antes um controle, ao nível das emoções, que busca homogeneizar todos os registos. Portanto, cultiva-se a ausência de qualquer moralismo-crítico que possa interferir com o resultado final da imagem e que busca posicionar-se (arquitectonicamente) num plano neutral, valendo-se a si mesmo. É simultaneamente um mundo onde não há arquitecturas melhores, nem piores. O fotógrafo, ao contrário do fotógrafo-artista, é convocado e responde através do seu conhecimento de expert. Se manipula a imagem, isto é, se lhe retira um excesso qualquer de “realismo”, fá-lo consciente que trabalha num domínio de imparcialidade.
Este aspecto opõe-se às relações históricas que durante o século XX lançaram uma teia de cumplicidades “emocionais” e discursivas entre arquitectura e fotografia. Basta recordar que Reyner Banham associou as raízes do Movimento Moderno à vulgarização de imagens de complexos fabris americanos e canadenses a partir da sua publicação num artigo de Walter Gropius editado no âmbito da Deutscher Werkbund, “Die Entwicklung Modern Industriebaukunst”, em 1913. “The impact of these illustrations … was felt throughout ‘modern Europe’ and registered as early as 1914 in the work of Antonio Sant’Elia and Mario Chiattone, the architects members of the Futurist circle in Italy, and even more strikingly in the sketchbooks and imaginary projects of Erich Mendelsohn.” Também se reconhecia nas imagens a preto e branco que divulgaram os primeiros edifícios de Le Corbusier ou de Mies van der Rohe, uma forte intencionalidade plástica “moderna”. O mesmo princípio que anulou as fortes cores primárias do neoplasticismo De Stilj ou o expressinismo de Bruno Taut, possibilitando essa invenção incrível que foi o International Style.
Mas talvez uma conivência de carácter mais “ideológico” seja mais perceptível nos ensaios sobre imagem que o edifício da Bauhaus, em Dessau, de Gropius, provocou entre os estudantes da escola. Aí, um certo experimentalismo arquitectónico manifestava-se na desconstrução da estaticidade fotográfica. Em Portugal, Mario Novaes, por exemplo, procurou igualmente servir os arquitectos modernos portugueses na propagação de uma imagem de “modernidade”. Imagens nocturnas registadas pelo seu irmão Horácio Novaes, como a de um edifício de Keil do Amaral – a Feira das Indústrias Portuguesas, em Lisboa –, mostram bem até onde o trabalho do fotógrafo podia ser determinante na consolidação de uma iconografia moderna.
Nas fotografias de Fernando Guerra desfazem-se as cargas mais idiossincráticas de cada um dos projectos que o fotógrafo vai percorrendo. Fernando Guerra trabalha sobre a imagem como se descarnasse os edifícios – cuidadosamente –, até sobrarem somente elementos, texturas, luzes, sombras. Invariavelmente, os edifícios são sempre fotografados antes de existir dentro deles uma vida “normal”. As pessoas são contornos, figuras estilizadas e fugidias. Há uma tonalidade semelhante nos vários trabalhos que os aproxima, mais do que os diferencia, permitindo reconhecer o “olho” do fotógrafo e, apesar do tempo se encontrar “parado” nestas imagens, há inequivocamente a expressão de uma época, visível num quadro harmonioso.
Talvez por isso, numa primeira impressão, revisitam-se as obras que dão corpo às fotografias como se percorresse “mentalmente” o mesmíssimo objecto. Mas os fragmentos (arquitectónicos), que delas vão transbordando, são reconhecíveis e possibilitam, apesar de tudo, chegar-se a cada um dos edifícios, impedindo que a leitura passe para um plano totalmente abstracto.
Retirados do seu contexto específico e reintroduzidos numa sequência genérica, estes elementos permitem, por contraste, refazer um quadro mais aberto. Essa abertura comporta um risco – que aqui parece ter sido previamente ponderado –, o de filtrar todos os projectos pela mesma rede, reduzindo-lhes a espessura própria que os distancia. Alguns edifícios suportam pior esta abordagem, o que ameaça a estabilidade desse “mundo perfeito” que aqui se recria. Tornando-se corpos estranhos no trabalho de Fernando Guerra, também o enriquecem e permitem-nos fazer notar que muito provavelmente estamos perante um dos mais eficazes fotógrafos portugueses que se dedicam a esta área tão específica e, à qual, a arquitectura tanto exige.
Adaptação do artigo “Mundo Perfeito, Arquitectura e Fotografia”, publicado no jornal Público, suplemento Mil Folhas, 26/03/2005, p. 22
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FOTO-SÍNTESE
Nuno Grande
«A evolução recente daquilo a que podemos chamar “fotografia de arquitectura” tem sido um espelho eloquente das relações que a sociedade contemporânea estabelece com a produção arquitectónica.
Se olharmos esse espelho a partir do campo da arte, percebemos que, nunca como hoje, tantos criadores retrataram a arquitectura enquanto objecto das contradições dessa sociedade, expondo-a de forma crítica e crua. Que dizer, por exemplo, da visão de fotógrafos como Andreas Gursky, Thomas Ruff ou Axel Hütte?
Olhando para o outro lado do espelho, e desde o campo da cultura mediática, constatamos que, nunca como hoje, tantos “meios” retrataram a arquitectura como um produto sedutor dessa mesma sociedade, expondo-a de forma ostensiva e espectacularizada. Que dizer da profusão recente de artigos e imagens selectas de “arquitecturas de autor” em suplementos culturais e turísticos de jornais ou revistas de lifestyle?
Este duplo tratamento constitui um sinal dos tempos: no seu esforço de apropriação do quotidiano cultural e social, iniciado na década de 60, a arquitectura tornou-se, ela própria, num peão desse jogo extremado entre a reflexão crítica, na arte, e o consumo acrítico, no mercado. No mesmo sentido, a commodification da obra arquitectónica – isto é, a sua conversão num “consumível” –, dificulta hoje o posicionamento de um “fotógrafo de arquitectura” que se apresente, não como artista, nem como mercador de imagens, mas tão-somente como um viajante entre espaços.
É neste contexto que devemos situar o trabalho de Fernando Guerra, arquitecto e fotógrafo que, desde 1999, se vem afirmando no panorama nacional, documentando a produção arquitectónica portuguesa, e sobretudo a obra de uma nova geração de criadores. O seu apuro fotográfico sedimentou-se em sucessivas “reportagens” de viagem que, a partir de 1987, tomaram como tema central a paisagem urbana do Oriente, e sobretudo de Macau, cidade onde viveu alguns anos. Disparando compulsivamente a sua Reflex de 35 mm, sempre em punho, Fernando Guerra foi definindo um método errante mas diligente de retratar ambientes, gentes e pormenores que acabaria por distingui-lo da postura mais tradicional de outros fotógrafos portugueses já consagrados nesta área. Essa distinção estabeleceu-se não apenas na dimensão utilizada – raramente optando por câmaras de médio ou grande formato – como também no modo de apropriação da obra de arquitectura.
Assim, e enquanto outros estudam demoradamente os melhores ângulos, Fernando Guerra “deixa-se perder” no espaço, captando empiricamente essa descoberta irreflectida e inocente; enquanto outros instalam pacientemente as suas câmaras sobre tripés à espera da melhor luz, Guerra procura, irrequieto, a incerteza do “instante” em que uma sombra muda ou um vulto passa; enquanto outros retratam fria e analiticamente o seu objecto em apenas duas ou três exposições, ele colecciona centenas de imagens que reedita depois, enquanto síntese da sua “reportagem”. Uma postura demasiado “comercial” ou “artificial”, dirão uns; uma postura descomplexada, dizemos nós, que percebe o seu tempo e que define inteligentemente o seu lugar nesse jogo contemporâneo entre arte e mercado, a que nos referimos antes.
Fernando Guerra conhece as regras da composição fotográfica, a importância da luz, o poder de um enquadramento; isto é, compreende a fotografia como “ofício” artístico. Conhece, por outro lado, os mecanismos hoje impostos à edição de arquitectura, a importância de uma “foto-síntese”, o poder da massificação e da celeridade do consumo mediático; isto é, compreende a imagem como instrumento insubstituível da difusão cultural, algo que vem testando, juntamente com o seu irmão Sérgio, a partir do “sítio” digital que ambos criaram sobre o seu trabalho (contando hoje com mais de 250 obras fotografadas e mais de 1000 visitas diárias).
Poderá parecer-nos perverso que essa difusão nos “novos media” – em sites, blogues ou newsletters – se tenha tornado num meio comum de descoberta dos arquitectos e das suas obras, conferindo aos fotógrafos e webdesigners o papel que antes pertencia aos críticos e editores tradicionais; mas esta é a realidade global em que Fernando e Sérgio Guerra se movem e que procuram qualificar fazendo do seu “sítio” uma plataforma de cruzamento e de ligação entre tantos outros endereços e autores com diferentes aprofundamentos. Não surpreende, por isso, que num momento em que, a nível internacional, se acentua o interesse editorial pela nova arquitectura portuguesa – em publicações recentes, da Espanha ao Japão, da Itália à Rússia, da França à Coreia – as fotografias de Fernando Guerra preencham as capas e os conteúdos de revistas como Arquitectura Viva, L’Architecture d’Aujourd’hui, A+U ou Casabella, ou ainda da Wallpaper, Ícon, Blueprint, ou Frame. Embora distintas, todas elas constituem, como dissemos, faces do mesmo espelho.»
Excerto do texto publicado in “Mundo Perfeito – Fotografias de Fernando Guerra”, Publicações FAUP, 1ª edição, Porto 2008.
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Nasceu em Lisboa, em 1975.
Licenciou-se em Arquitectura em 1998 pela Universidade Lusíada de Lisboa.
Trabalhou em diversos ateliers em Lisboa antes de fundar o atelier e estúdio FG+SG - Fotografia de Arquitectura, em sociedade com o seu irmão Fernando Guerra.
É o responsável pela produção das reportagens e gestão geral do atelier. |
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Born in Lisbon in 1975.
Degree in Architecture in 1998 from Lusíada University in Lisbon.
Worked in various ateliers in Lisbon before establishing the atelier and studio FG+SG - Architectural Photography, in association with his brother Fernando Guerra.
Is responsible for managing the office.
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